Não há dúvida que o MERCOSUL
mirou estrategicamente a Europa e, em especial, o Mercado Comum Europeu. A
denominação “Casa Comum Europeia” foi dada por M. Gorbachev em plena glassnot e no curso da perestroika. Os processos de “abertura”
e “transparência” que marcaram o fim da União Soviética assinalaram também a
simpatia do Governo Ronald Reagan (EUA) e o acolhimento europeu em relação à
Rússia e às repúblicas independentes, antes associadas à URSS. Com o fim da
chamada “cortina de ferro”, fortaleceu-se um novo quadro de nações
independentes no Leste europeu, e a questão da Iugoslávia é um bom exemplo, com
a explosão das nacionalidades e etnias, após a morte Josip B. Tito. Certamente
um Papado “polonês” trouxe para a Europa românica um pouco do Leste europeu e
vice-versa. O fim do muro de Berlim com a emergência de uma Alemanha unificada,
embora causasse alguma surpresa pela velocidade com que ocorreu, inscreveu-se
no curso dos novos acontecimentos históricos. A comunidade europeia foi
decisiva no acolhimento dos países do Leste, a despeito das discriminações,
inclusive religiosas.
A integração e o
fortalecimento da comunidade europeia foram acompanhados desde o Sul, como um
exemplo a ser, senão seguido à risca, observado mais de perto. O euro como moeda comum que substituiu as
antigas moedas nacionais para os membros da comunidade europeia (a manutenção
da libra esterlina é um caso à parte) e as transformações na esfera econômica,
malgrado as dificuldades de ordem financeira, tomaram um rumo de certo modo
inexorável. Maior razão para que a América do Sul observasse a Europa como
exemplo a nortear a comunidade sul-americana ou mesmo uma “comunidade
latino-americana de nações”. A constituição brasileira de 1988, na saída do
regime militar, inclusive incluiu esse desiderato.
A rigor, comparar entre si a União Europeia e o
Mercosul pode parecer improcedente. São
realidades distintas em momentos históricos diversos. Para muitos analistas os
objetivos da União Europeia estavam, até o ano de 2011, praticamente atingidos
e em vias de seu coroamento, sobretudo após a implantação do euro como moeda comum. Enquanto isso, o
Mercosul enfrentava desafios, além da oposição dos EUA, e parecia engatinhar.
Hoje, porém a realidade é outra. Muitos países
europeus sentem-se impotentes com a perda da autonomia dos respectivos Bancos
Centrais, no que concerne às políticas cambiais nacionais. E as contínuas
transferências de renda do setor produtivo propriamente dito para o setor
financeiro “reorganizaram desorganizando” a economia europeia, pois não foram
gerados fundos compensatórios voltados para os desequilíbrios macroeconômicos
passíveis de acontecer e que acabaram ocorrendo.
Entretanto, partilhamos da opinião que mesmo assim
(...)
“a experiência de construção de um
Mercado Comum e de uma União Política vivida pela Europa Ocidental há mais de cinquenta
anos, pode representar, para processos
mais recentes e situados em outras latitudes, uma referência extremamente enriquecedora.
E isso porque mercados comuns apontam, necessariamente, para o exercício de
quatro liberdades fundamentais, a de pessoas, serviços, capitais e bens, situação que exige a constituição de regras,
normas e instituições de caráter intergovernamental ou supranacional que
implicam deveres, direitos e benefícios, assegurando que estes sejam distribuídos de forma previsível e equitativa
entre todos os Estados membros e setores sociais integrados ao projeto”.
Coincidindo com o
estabelecimento do Estado de Direito Democrático, retomávamos os sonhos de
latinoamericanidade tão em alta na década dos anos sessenta do século XX. Mas,
de fato, quando foi assinado o Tratado de Assunção (Março de 1991) que criava o
Mercosul (Mercado Comum do Sul), ninguém imaginava o que poderia vir no
horizonte. Certamente alguma oposição dos EUA, que não via com bons olhos a sua
não inclusão, bem como estava mais comprometido com os tradicionais acordos
bilaterais. Desde então, muita coisa mudou no cenário internacional: a
globalização avançou muito, especialmente no campo financeiro. O robusto
surgimento da China nas trocas comerciais, sobretudo com a América Latina, com
o surgimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e a
presença do Brasil nesse grupo projetou indiretamente o Mercosul. Também a
criação de outros fóruns multilaterais como a UNASUL, de escopo organizacional
mais ampliado. Mas é marcadamente a crise do capitalismo, a partir da grande
crise financeira dos EUA no fim da primeira década do Século XXI, que propicia
condições novas de remanejamento nas relações sul-americanas.
Nunca é demais
ressaltar que a América do Sul apresenta aspectos favoráveis a um projeto de
integração latino-americana. Além de um território de 17,6 milhões de quilômetros
quadrados, há uma formidável diversidade de ecossistemas como a Amazônia,
Caribe, a Cordilheira dos Andes, Pampas, Pantanal, o Cerrado. No total uma população
de quase 380 milhões de habitantes e um produto interno de US$ 1,5 trilhão. Há
grandes reservas minerais, significativos mananciais de água e rica
biodiversidade. A América do Sul ostenta ainda recursos energéticos renováveis
e não renováveis abundantes, onde avultam as primeiras descobertas de petróleo
do Pré-Sal, no Brasil.
Considere-se agora, como ressaltamos anteriormente,
que, para o futuro, o acolhimento crescente do Leste Europeu poderia enriquecer
a experiência de Casa Comum Europeia. Mas não é exatamente o que está
acontecendo.
O que se vê na
esteira da crise financeira e já agora nos rastros da depressão vivida pelo
capitalismo norte-americano, mas que atinge de modo inexorável a Europa, é que
a América chamada latina tem a sua oportunidade de ouro para descobrir na
solidariedade latino-americana de toda ordem, a possível saída para um projeto
de emancipação e integração regional que permita colocá-la na pauta
internacional enquanto comunidade sul-americana imaginada. E sem repetir o os equívocos do
Mercado Comum Europeu.
Se, por um lado, cabe ressaltar,
entre os benefícios visíveis do MEROSUL o fim das hostilidades antigas e rixas velhas
com a Argentina com base na suposição de que o país que dominasse a região do
Prata, dominaria a América. Tal relação conflitiva e de constante provocação recíproca
levou os dois países à chamada corrida atômica, visando fabricar a primeira
bomba, com notáveis riscos de trazer a corrida nuclear para o continente. Se
isso passou, restam renovadas dificuldades pela frente. Entre, elas, o quanto a
caminho recente da desindustrialização da Argentina produziu espantosos
desequilíbrios na balança de pagamentos com Brasil que merecem toda a atenção
do Mercosul. E sabemos que há muitos obstáculos à emancipação regional
integrada. Avançamos no que concerne às
relações culturais regionais e especialmente no campo da educação
universitária, a criação da Universidade Federal da Integração Latino-americana
(UNILA), no Parque Tecnológico de Foz do Iguaçu é eloquente exemplo. O Presidente Luiz Inácio Lula a Silva
empreendeu no seu governo uma estratégia
compreensiva das vulnerabilidades dos diversos países nos acordos
visando as relações econômicas internacionais. São exemplos os acordos sobre o
gás com a Bolívia e sobre a distribuição da energia elétrica, a partir de
Itaipu. Os jovens latino-americanos estão aptos e mais sensíveis a descobrir os
benefícios da integração regional que visa a emancipação.
Se nem tudo são flores, nem tudo são
lágrimas. Devemos realizar uma avaliação realística com olhos postos na
definição de prioridades no Mercosul e alargando os convite para um formidável
debate sobre os sentimentos políticos de solidariedade que podem fortalecer a
nossa união.
Niterói, Fevereiro de
2012.
Sonia de Camargo. O Mercosul de ontem e de hoje: uma leitura a
partir da experiência europeia in Gisálio Cerqueira Filho (org.). Sulamérica Comunidade Imaginada: emancipação
e integração. Anais do XI Congresso Internacional do FoMERCO (Forum
Universitário do Mercosul) realizado em Setembro de 2010 em Buenos Ayres.
Niterói: EdUFF, 2011, p. 345.
Ver Monica Bruckmann Mayneto. Ou Inventamos ou erramos: a nova conjuntura latinoamericana e o
pensamento crítico. Tese de Doutorado orientada por Gisálio Cerqueira
Filho, PPGCP/UFF, Niterói: campus do
Gragoatá, mimeo., fevereiro de 2011.