O SENTIDO
HISTÓRICO DA NEGOCIAÇÃO
Gisálio Cerqueira Filho *
Gizlene Neder **
Transcrevemos um trecho da carta do Patriarca Kirill enviada
ao Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros da República de Cuba,
General Raúl Castro Ruz que foi tornada pública em 14/03/2016. Como sabem, os
representantes da Igreja Ortodoxa de todas as Rússias e do catolicismo romano
não se encontravam há quase mil anos. Todavia, o porquê de Cuba reunir as
condições políticas para tal encontro mereceria um comentário à parte.
“Tem
sido uma grande honra para mim receber de suas próprias mãos a mais alta
condecoração da República de Cuba, a Ordem José Martí. Considero isso um grande
reconhecimento e uma alta estima ao serviço da Igreja Ortodoxa Russa. Gostaria
de maneira especial destacar o fato de que Sua Excelência, junto a outros
dirigentes do Estado cubano, estiveram presentes no ofício divino oferecido no
templo de Nossa Senhora de Kazan em Havana, compartilhando a alegria desta
festa com a comunidade ortodoxa na cidade.
Quero
muito particularmente agradecer ao senhor e às autoridades cubanas por terem
criado todas as condições necessárias para meu encontro com o papa Francisco.
Estou certo de que este acontecimento abrirá uma nova página nas relações entre
a Igreja Ortodoxa Russa e a Igreja Católica Romana.
Este clima, que combina com a histórica visita do
presidente Barack Obama à mesma Cuba fortalece um momento de convivência na
América Latina que contrasta com as guerras pelo mundo e com a crescente
radicalização forçada que observamos no Brasil e nas vésperas dos Jogos
Olímpicos.
O fato é que para qualquer observador mais atento fica a
indagação perplexa sobre a ligação dos últimos acontecimentos na América
Central, a conjuntura continental das Américas (de norte a sul) e os episódios
de intolerância e negação da conciliação política, vivenciados no Brasil. Os
conflitos sociais acionados de cima para baixo deixam evidente que não foram os
setores subalternos que instauraram a conflitualidade no campo político
brasileiro que vem num crescendo desde as manifestações de junho de 2013, no
momento auge do protagonismo do país na Copa das Confederações e na visita do
Papa Francisco ao Rio de Janeiro, para a Jornada Mundial da Juventude.
O aparente paradoxo é que tudo ocorre precisamente no contexto
de distensão nas relações diplomáticas entre Cuba e EUA. Nele, podemos mesmo
afirmar que, afinal, o “muro” está caindo no Ocidente. Ele foi sendo construído
pelo bloqueio comercial a Cuba e sua exclusão da OEA no ápice da Guerra-fria.
Tudo indica que as forças políticas que se apresentam nas disputas entre o
governo do Partido Democrata de Barack Obama nos EUA e as grandes corporações
(aquelas dos fármacos e do petróleo) estão a produzir efeitos disparatados,
dissociados e esquizofrênicos em várias regiões do mundo, onde a exploração
capitalista e a dominação de mercados consumidores (dos fármacos) e produtores
de matéria-prima (petróleo) saltam à vista. Grosso modo, a estratégia é
barbarizar as regiões-alvo estimulando guerras fratricidas que produzem como
efeito o esvaziamento do campo político local. Neste contexto, sem governo e sem
lideranças, a instauração do caos ou o ressurgimento de forças políticas
antigas e retrógradas (Estado Islâmico, por exemplo) prevalecem. E os
acontecimentos em Bruxelas não deixam dúvidas. No caso da América Latina
(especialmente a América do Sul que ensaia uma autonomia através da construção
de um bloco multilateral de integração regional), a estratégia de guerra ensaiada
(“guerra ao narcotráfico”) esbarrou com a posição firme e negociadora do Brasil
e seus embaixadores. O caminho encontrado pelas forças conservadoras
internacionais e nacionais foi a desestabilização produzida pelo choque entre
os poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo). Aparentemente, uma briga
interna. Mas será? Afinal, a globalização avançou sobremaneira nas últimas duas
décadas...
Observando tudo isso, fica a indagação: é isso mesmo que os
setores dominantes que instauraram o conflito querem para o Brasil? Não há mais
espaço para negociação política? Quem seriam os negociadores políticos
possíveis pela oposição? A nosso juízo Fernando Henrique Cardoso, pelas
oposições, deveria rever sua posição aparentemente dogmática de não querer
negociar, assumida desde a primeira hora por Aécio Neves que não aceitou os
resultados eleitorais.
O Brasil deveria valorizar o ex-presidente Luís Inácio Lula
da Silva por sua reconhecida posição de negociador. Ele participou com efetivo
sucesso da transição política aproximando frações de classe e grupos sociais
diferentes e divergentes. Já anteriormente teve suas qualidades de negociador
devidamente testadas, seja no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, seja nas
greves que liderou, seja em distintas negociações no Brasil no exterior, por
exemplo, na Volkswagen, na Alemanha. É um trunfo termos uma liderança política
como Luis Inácio Lula da Silva: de origem pobre, homem do sertão, trabalhador,
sutil negociador político, um vencedor. Feliz o povo que tem um líder como este
e que num momento de crise, devidamente nomeado para o Chefia do Gabinete Civil
do Ministério, pode vir em auxílio da Presidenta Dilma Roussef e do próprio
Brasil.
Na nossa universidade, a Universidade Federal Fluminense
(UFF), são muitos os estudantes que estão ansiosos com o que sucede hoje no
país. De muitos alunos ouvimos preocupações com o que pode acontecer com os
avanços realizados no campo educacional universitário: políticas de inclusão
social, expansão do campus em Niterói
e substantiva melhoria da Biblioteca Central do Gragoatá (Ciências Humanas);
também em relação aos serviços de alimentação no Bandejão. Muitos familiares
nos narram episódios de inclusão social que atestam melhorias na educação
universitária, no programa “Mais médicos”, que acaba por atender aos pais e
outros membros das famílias, das políticas de bolsas acadêmicas.
Não bastasse o espectro da crise, aqueles que, antes na
pobreza, avançaram em algumas conquistas sociais, passaram a ter sentimentos e
perspectivas de avançarem cada vez mais. Num momento de crise isso não acontece
e pode ocorrer muito compreensivelmente que os mesmos que governaram nos
últimos anos (PT, PCdoB, setores do PMDB, enfim da aliança política
representada por Lula, Dilma, Michel Temer) sejam cobrados e muito cobrados,
tendo em vista uma real hipótese de recuo, com muitos passos atrás nas recentes
conquistas.
É um ótimo momento para os interesses contrários e
contraditórios em relação a esses novos participantes da sociedade inclusiva.
Eles se organizam através das redes sociais e da sociedade civil. Os meios de
comunicação hegemônicos mantém, todavia, uma postura mais inflexível. Não
apostam na negociação. Observemos que a estrutura das grandes empresas de
construção, que o país necessita tendo em vista os investimentos em
infraestrutura, fora articulada pelos governos militares, num projeto de
estratégia nacionalista, tendo em vista a subordinação colonizada às
corporações estrangeiras para a construção de portos e caminhos de ferro na
primeira metade do século XX. Uma vez flagradas em corrupção, devem ser agora
substituídas por empresas estrangeiras? Responder SIM a esta pergunta seria muita ingenuidade. O papel de
protagonista do Brasil no contexto internacional deve ser abandonado? Como
seremos esse gigante do continente latino-americano se mal soubermos aglutinar
interesses díspares das nossas distintas oligarquias regionais? Vamos relegar ao ostracismo os setores populares e
vamos denegar as políticas de inclusão social? Vamos abdicar desta
responsabilidade, simplesmente pela falta de um “negociador de estilo”
(burguês)? Convenhamos, é muita mesquinharia juntarmos misoginia à Dilma com o
preconceito contra Luiz Inácio Lula da Silva para jogarmos fora uma invulgar
oportunidade de avançar mais e mais, na paz, na negociação e no congraçamento.
Avançar, sobretudo na reflexão do quanto é estrutural a corrupção no
financiamento dos partidos e dos embates político-eleitorais.
Assim, se o instante se oferece a nós
como oportunidade, ele também é propício as maledicências, inverdades,
meias-verdades e até verdades que, uma vez associadas, em tantas ocasiões
aumentam ou até produzem falsidades, preconceito, desprezo, calúnias, malquerenças.
Nenhuma destas nossas reflexões vai contra a apuração de
práticas de corrupção.
No momento, Luiz Inácio Lula da Silva está nesse
entre-lugar. Vai ou não vai para a Chefia do Gabinete Civil?
Vamos cooperar com o Brasil ou não? Vejam, não se trata de
tornar Dilma Rouseff cativa da cadeira
de presidente, nem exatamente realizar o impeachment
como ato de vingança política. Os magistrados, juízes de todas as
instâncias, em especial da Suprema Corte, do STF, deverão tomar decisões com os
olhos no futuro presente. E há confiança na sua ação.
Há pouco ouvíamos um fragmento de diálogo entre três
mulheres. Fragmento pescado de modo fortuito, apenas com uma escuta atenta,
como gostava de fazer o escritor italiano Antonio Tabuchi, nas suas andanças. O
diálogo envolvia três mulheres, do povo, na faixa dos trinta anos de idade.
Duas pareciam evangélicas, uma católica. A católica, de fácil identificação,
dizia: “agora, e na semana da Páscoa que
se aproxima, só há uma salvação aparecida”. Ouvidos apurados, aparecida referia-se a Nossa Senhora
Aparecida, padroeira do Brasil. E continuava: “ela não vai faltar”. Só ela para atender ao VOLTA LULA. As outras
duas, que pareciam não concordar, arrematavam. Uma dizia: é mesmo? Só o Senhor é capaz do milagre! E a outra: “agora, só com muita oração! Necessitamos
orar”. Notamos que católicas e evangélicas convergiam em nome da
política...
O instante que vivemos pede que as maiores e melhores
lideranças políticas do Brasil reflitam sobre os riscos que estamos vivendo com
a crescente judicialização da política. E com a crise artificial que, embora
real, está visivelmente inflada e potencializada.
É hora de pactuarmos o presente e o futuro, com
inteligência, cautela e tolerância. Simples assim...
*Professor
Titular de Teoria Política na UFF
**Professora
Titular de História na UFF