NOVIDADES
NA AMÉRICA LATINA?
Gisálio Cerqueira Filho
Chegamos ao fim do ano de
2013 com um percurso percorrido na integração regional na América Latina, não
sem sobressaltos e atribulações, com destaque para a América do Sul. O
congresso nacional do Paraguai acaba de aprovar o ingresso da Venezuela no
MERCOSUL e uma certa convergência de pontos de vista parece ocorrer também entre
Argentina, Brasil e Uruguai. Por seu turno, a UNASUL vem realizando esforços
para fortalecer a perspectiva sonhada de comunidade imaginada[1]
para Nuestra América. Neste aspecto
são visíveis as contribuições criativas e inovadoras de Bolívia, Equador e mais
recentemente Peru. Em Colômbia, o escritor e cientista político William Ospina
nos tem oferecido boas reflexões para a contemporaneidade. Também o filósofo
argentino Enrique Dussel, radicado (exilado) desde 1975 no México, tem
proporcionado uma revisão da compreensão das revoluções independentistas
latino-americanas que, em sua opinião, devem ser elevadas à concepção de evento
mundial, nos mesmos termos como fazem, por exemplo, os franceses com a
revolução francesa. Todavia, de acordo com Dussel a concepção ética, não
exatamente liberal, mas liberadora (“ética da libertação”) deve partir de uma
visão latino-americanista com raízes fincadas na América Latina, nas vertentes
da crítica da “colonialidade” (colonizador versus
colonizado), do indígena, do negro, do mestiço, do republicano, do cosmopolita.
No recente funeral de Madiba
(Nelson Mandela), na África do Sul, ouvimos a palavra de Raul Castro: “rendemos
emocionado tributo a Nelson Mandela, a quem se reconhece como símbolo supremo
de consagración inclaudicable a luta
revolucionária pela liberdade e justiça; como um profeta da unidade, da
reconciliação e da paz [...] Mandela é um exemplo insuperável para a América
Latina e Caribe que avançam com relação à unidade e integração, em benefício de
seus povos, respeitosos de sua diversidade, com a convicção de que o diálogo e
a cooperação são o caminho para a solução das diferenças e a convivência
civilizada com aqueles que pensam diferentemente”.
A
expressão consagración
inclaudicable assinala a fidelidade aos sonhos e ilusões
que nos sustentam no pensamento e na ação, pois la vida es sueño como ensinou Calderón De La Barca.
É nesse contexto que
gostaríamos de refletir sobre o papel estratégico que Chile pode vir a
representar nesta concertación latino-americana.
Chile não é só importante pela sua tradição de lutas em favor da justiça e da
paz, nem tão somente pela posição geográfica singular que desfruta. O retorno
de Chile ao Estado Democrático de Direito, após tantos anos de intensa repressão
política deve ser saudado como grande conquista do continente. E é nesse
contexto que o segundo turno das eleições para Presidente da República ganha
especial destaque. Após o primeiro turno, duas candidatas apresentaram-se hoje,
dia 15 de dezembro de 2013. Michele Bachelet (que vem com 46,6% dos votos) e Evelyn
Matthei (com 25,01 %), recentemente obtidos. A vitória esperada de Bachelet
(coalização Nova Maioria) contra
Matthei já está pautada pelas mídias e é ansiosamente aguardada. Não apenas
pela imposição de uma derrota ao Projeto da direita representada pela
adversária, filha de militar de alta patente que apoiou ativamente a ditadura
de Pinochet. Se isto acontecer, a vitoriosa será uma antiga amiga de infância,
também filha de militar de alta patente da Força Aérea, mas que morreu vítima
das torturas do regime instaurado após a queda do presidente Salvador Allende.
Muito se espera de uma
vitória de Michele Bachelet:
1-
Uma nova carta constitucional? A maioria
alcançada no primeiro turno (68 sobre 120 cadeiras na Câmara e 21 das 38 vagas
no Senado) serão suficientes para aprovar as transformações requeridas, aí
incluída uma reforma tributária distributivista?
2-
Avançar nos direitos dos indígenas? Das
mulheres? Que outras prioridades nesse campo?
3-
Governar com o Partido Comunista chileno, num
certo revival histórico? Como será
isso?
4-
Atuar nas transformações de um dos mais
elitistas sistemas universitários, herdado da ditadura?
5-
Atuar na modificação explícita do sistema
político transformado pela força dos movimentos sociais, especialmente o
movimento estudantil, vetor que foi de muitas manifestações recentes e inconformistas?
Mais que tudo, os olhos dos
latino-americanos estarão voltados para o quanto a “Nova Maioria” será capaz de
apoiar decididamente o MERCOSUL, a UNASUL e outras iniciativas de integração regional
capazes de mostrar ao mundo o quanto a luta de Madiba foi efetivamente um farol
a iluminar uma nova era para a América Latina.
Às 19h48, em Santiago de Chile, 20h48 em Brasília,
com 99,56% das urnas apuradas Bachelet tinha quase 3,5 milhões, ou 62,16%, dos
votos, contra 2,1 milhões, ou 37,83%, para Matthei.
Oxalá o NOVO ANO DE 2014
chegue anunciando boas novas para os latimoamericanos!
[1] Ver
“Sulamérica: Comunidade Imaginada - emancipação e integração”. Anais do XI
Congresso Internacional do Fórum Internacional do Mercosul (FoMERCO), Buenos
Ayres, 2010. Niterói: Editora da UFF [Universidade Federal Fluminense], 2011,
367 pp. Vários autores.