quinta-feira, 28 de junho de 2012


Aliança do Pacífico
Gisálio Cerqueira Filho

Foi noticiado largamente por esses dias a formação da “Aliança do Pacífico”, mais outro bloco regional formado por Chile, Colômbia, México e Peru. Fala-se sobre a possibilidade concreta de participação de Costa Rica e Panamá ainda em 2012. A livre circulação de mão de obra, de capitais, de bens e serviços, além da integração de redes educacionais é um sinal da importância dos recursos humanos na conjuntura política da região. A “Aliança do Pacífico” foi celebrada através do Acordo de Antofagasta e aponta por agora para 215 milhões de consumidores, 35% do produto interno bruto e 55% das exportações da América Latina. Os requisitos básicos para pertencimento a “Aliança do Pacífico” são: 1) ser uma democracia com estabilidade jurídica, isto é, constitucional; e 2) aderir ao livre comércio com todos os sócios. Democracia e mercado.  Não devemos nos esquecer que, enquanto isso, os integrantes do Mercosul — Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai — metem-se numa série de disputas tarifárias e comerciais. Para não falar na deposição de Lugo, presidente do Paraguai, ocorrida sob forte suspeita de um “golpe branco”. Na verdade, um impedimento relâmpago votado pelas instituições que compõem o Legislativo paraguaio, com escasso cumprimento dos procedimentos clássicos de defesa.  Cuba segue como um espantalho para quase todos os países latino-americanos; e mais. no bloco recém-formado não se quer saber do acontece na hora presente na Bolivia, Equador e Venezuela, todos mais ou menos voltados para o que poderíamos nomear de “bolivarianismo”.
Parece-nos insuficiente justificar tal rechaço, seja - no caso de Cuba – apenas para fazer um agrado aos Estados Unidos da América do Norte, que segue mantendo o anacrônico bloqueio comercial à Ilha; seja - no caso dos países bolivarianos - para justificar o isolamento valendo-se do rótulo de “populismo”. Auto-nomeada do Pacífico, a Aliança em tela finge não ver o gigante brasileiro que faz uma sombra considerável para além do Atlântico com sua capacidade de produção de grãos e o crescente envolvimento com a a Rússia, India, China e África do Sul (BRICS).
Não se trata de advogar contra a formação plural de grupos e blocos regionais, ou mesmo sub-regionais, mas de chamar atenção para uma velha questão que o Império Britânico soube muito bem manejar durante o século XIX: “dividir para reinar”.  Ao revés, o lema a caracterizar a novo horizonte para os povos latino-americanos há de ser “integração e emancipação”, o que obviamente não foi possível no processo independentista de vários países e que agora festejam o bi-centenário das respectivas lutas políticas, nas quais certamente Bolívar foi um ícone. Nesse sentido, é melhor compreender quem foi Símon Bolivar no contexto das lutas pela independência política, inclusive seus sonhos de integração nunca atingidos, do que desclassificá-lo com a etiqueta “populista” 200 anos depois. O mesmo se passa com outras significativas lideranças latino-americanas, como por exemplo, José Marti, figura de destaque em Cuba, ou José Carlos Mariátegui, no Peru, e muitas outras que poderiam ser lembradas.
Também devemos levar em consideração a posição fraterna que preside o relacionamento do Brasil com os países do Mercosul. Não de trata de altruísmo, mas de reconhecimento e posicionamento generoso (pró-ativo) do Brasil na região, como costuma caracterizar o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alta Autoridade do Mercosul. Isto tem inclusive suscitado algumas críticas dos seus opositores no Itamarati. Outro reconhecimento que devemos registrar é com relação ao formidável esforço que o Brasil vem realizando no âmbito da educação superior regional visando à integração latino-americana com a criação da Universidade Latinoamericana de Integração Regional (UNILA), em Foz do Iguaçu.
Para além do papel regional o Brasil vai crescentemente assumindo uma liderança solidária nas questões internacionais mais amplas. Agora mesmo na reunião do G-20, realizada em Cabos, México, os países integrantes dos BRICS anunciaram publicamente a criação de um fundo comum com parte de suas reservas internacionais de US$ 4,5 trilhões para evitar o contágio das cinco grandes nações emergentes em caso de novas turbulências financeiras globais. Não sem razão, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, destacou que o objetivo é criar "uma solidariedade financeira" entre os emergentes e aumentar a confiança não só nos cinco mercados, mas internacionalmente. Também foi decidido na reunião de líderes dos Brics um aporte de recursos no colchão anticrise (firewall) do Fundo Monetário Internacional (FMI), criado na reunião da instituição, realizada em abril, provavelmente em torno de US$ 70 bilhões. Jacob Zuma (África do Sul), Dilma Rousseff (Brasil), Hu Jintao (China), Manmohan Singh (Índia) e Vladimir Putin (Rússia), se reuniram na manhã de segunda-feira, dia 18 junho, antes da primeira sessão de trabalho da cúpula de líderes do G-20 (maiores economias do mundo). Eles divulgaram ainda nota na qual cobram que a declaração final do encontro apoie de forma incisiva uma ação coordenada de recuperação do ritmo de crescimento global — confrontando, pois a União Europeia e em especial a Alemanha que permanece ancorada em posições de austeridade e cobrança financeira e fiscal. Denominado de Fundo Virtual de Reservas a contribuição dos BRICS mal consegue esconder o temor de continuidade da crise européia no médio prazo. O fato. de a qualquer momento, operações bilaterais de apoio mútuo com uso de reservas (swaps) puderem ser realizadas dentro do Brics confere evidentemente mais poder a esses países. Nesse aspecto, uma posição política solidária pode implicar em aumento de confiança global. E os países com mais dinamismo econômico podem auxiliar outros nas suas regiões. Desde já, a ajuda a um outro país converte-se em auto-ajuda pois esses mecanismos de solidariedade são fruto da invenção política solicitada pela conjuntura internacional.
Tal mecanismo de colaboração mútua parece ter inspiração no denominado Chiang Mai, fundo comum de China, Japão, Coréia e outros asiáticos, estabelecido em 2007, após sete anos de discussões, cujo objetivo foi o de amortecer efeitos de uma crise de liquidez. Outro exemplo inspirador pode estar relacionado às linhas de swap que o Federal Reserve (banco central dos EUA) firmou em 2008 com diversos países, incluindo uma de US$ 30 bilhões com o Brasil, mas nunca utilizada. A ideia era permitir o acesso rápido a moeda em caso de contração total dos mercados após a quebra do Lehman Brothers.
Não podemos e não devemos ceder à explicação fácil de que a solidariedade econômica, fiscal, financeira, política e cultural não possam subsistir e devam ser banidas da arena internacional. Antes, devemos estar atentos para o quanto a solidariedade a nível internacional e global necessitam ser inventadas, sobretudo em momentos cruciais de crise como a que estamos vivendo.

Sul de Minas, 26 de julho de 21012.