Aliança
do Pacífico
Gisálio Cerqueira Filho
Foi noticiado largamente por esses dias a formação da “Aliança do
Pacífico”, mais outro bloco regional formado por Chile, Colômbia, México e
Peru. Fala-se sobre a possibilidade concreta de participação de Costa Rica e
Panamá ainda em 2012. A livre circulação de mão de obra, de capitais, de bens e
serviços, além da integração de redes educacionais é um sinal da importância
dos recursos humanos na conjuntura política da região. A “Aliança do Pacífico”
foi celebrada através do Acordo de Antofagasta e aponta por agora para 215
milhões de consumidores, 35% do produto interno bruto e 55% das exportações da
América Latina. Os requisitos básicos para pertencimento a “Aliança do
Pacífico” são: 1) ser uma democracia com estabilidade jurídica, isto é,
constitucional; e 2) aderir ao livre comércio com todos os sócios. Democracia e
mercado. Não devemos nos esquecer que,
enquanto isso, os integrantes do Mercosul — Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai — metem-se numa série de disputas tarifárias e comerciais. Para não
falar na deposição de Lugo, presidente do Paraguai, ocorrida sob forte suspeita
de um “golpe branco”. Na verdade, um impedimento relâmpago votado pelas
instituições que compõem o Legislativo paraguaio, com escasso cumprimento dos
procedimentos clássicos de defesa. Cuba
segue como um espantalho para quase todos os países latino-americanos; e mais.
no bloco recém-formado não se quer saber do acontece na hora presente na
Bolivia, Equador e Venezuela, todos mais ou menos voltados para o que
poderíamos nomear de “bolivarianismo”.
Parece-nos insuficiente justificar tal rechaço, seja - no caso de Cuba –
apenas para fazer um agrado aos Estados Unidos da América do Norte, que segue
mantendo o anacrônico bloqueio comercial à Ilha; seja - no caso dos países
bolivarianos - para justificar o isolamento valendo-se do rótulo de
“populismo”. Auto-nomeada do Pacífico, a Aliança em tela finge não ver o
gigante brasileiro que faz uma sombra considerável para além do Atlântico com
sua capacidade de produção de grãos e o crescente envolvimento com a a Rússia,
India, China e África do Sul (BRICS).
Não se trata de advogar contra a formação plural de grupos e blocos
regionais, ou mesmo sub-regionais, mas de chamar atenção para uma velha questão
que o Império Britânico soube muito bem manejar durante o século XIX: “dividir
para reinar”. Ao revés, o lema a
caracterizar a novo horizonte para os povos latino-americanos há de ser
“integração e emancipação”, o que obviamente não foi possível no processo
independentista de vários países e que agora festejam o bi-centenário das
respectivas lutas políticas, nas quais certamente Bolívar foi um ícone. Nesse
sentido, é melhor compreender quem foi Símon Bolivar no contexto das lutas pela
independência política, inclusive seus sonhos de integração nunca atingidos, do
que desclassificá-lo com a etiqueta “populista” 200 anos depois. O mesmo se
passa com outras significativas lideranças latino-americanas, como por exemplo,
José Marti, figura de destaque em Cuba, ou José Carlos Mariátegui, no Peru, e
muitas outras que poderiam ser lembradas.
Também devemos levar em consideração a posição fraterna que preside o
relacionamento do Brasil com os países do Mercosul. Não de trata de altruísmo,
mas de reconhecimento e posicionamento generoso (pró-ativo) do Brasil na
região, como costuma caracterizar o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alta
Autoridade do Mercosul. Isto tem inclusive suscitado algumas críticas dos seus
opositores no Itamarati. Outro reconhecimento que devemos registrar é com
relação ao formidável esforço que o Brasil vem realizando no âmbito da educação
superior regional visando à integração latino-americana com a criação da
Universidade Latinoamericana de Integração Regional (UNILA), em Foz do Iguaçu.
Para além do papel regional o Brasil vai crescentemente assumindo uma
liderança solidária nas questões internacionais mais amplas. Agora mesmo na
reunião do G-20, realizada em Cabos, México, os países integrantes dos BRICS
anunciaram publicamente a criação de um fundo comum com parte de suas reservas
internacionais de US$ 4,5 trilhões para evitar o contágio das cinco grandes
nações emergentes em caso de novas turbulências financeiras globais. Não sem
razão, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, destacou que o objetivo é criar
"uma solidariedade financeira" entre os emergentes e aumentar a
confiança não só nos cinco mercados, mas internacionalmente. Também foi
decidido na reunião de líderes dos Brics um aporte de recursos no colchão
anticrise (firewall) do Fundo
Monetário Internacional (FMI), criado
na reunião da instituição, realizada em abril, provavelmente em torno de US$
70 bilhões. Jacob Zuma (África do Sul), Dilma Rousseff (Brasil), Hu Jintao
(China), Manmohan Singh (Índia) e Vladimir Putin (Rússia), se reuniram na manhã
de segunda-feira, dia 18 junho, antes da primeira sessão de trabalho da cúpula
de líderes do G-20 (maiores economias do mundo). Eles divulgaram ainda nota na
qual cobram que a declaração final do encontro apoie de forma incisiva uma ação
coordenada de recuperação do ritmo de crescimento global — confrontando, pois a
União Europeia e em especial a Alemanha que permanece ancorada em posições de
austeridade e cobrança financeira e fiscal. Denominado de Fundo Virtual de
Reservas a contribuição dos BRICS mal consegue esconder o temor de continuidade
da crise européia no médio prazo. O fato. de a qualquer momento, operações
bilaterais de apoio mútuo com uso de reservas (swaps) puderem ser realizadas dentro do Brics confere evidentemente
mais poder a esses países. Nesse aspecto, uma posição política solidária pode
implicar em aumento de confiança global. E os países com mais dinamismo
econômico podem auxiliar outros nas suas regiões. Desde já, a ajuda a um outro
país converte-se em auto-ajuda pois esses mecanismos de solidariedade são fruto
da invenção política solicitada pela conjuntura internacional.
Tal mecanismo de colaboração mútua parece ter inspiração no denominado Chiang Mai, fundo comum de China,
Japão, Coréia e outros asiáticos, estabelecido em 2007, após sete anos de
discussões, cujo objetivo foi o de amortecer efeitos de uma crise de liquidez.
Outro exemplo inspirador pode estar relacionado às linhas de swap que o Federal Reserve (banco
central dos EUA) firmou em 2008 com diversos países, incluindo uma de US$ 30
bilhões com o Brasil, mas nunca utilizada. A ideia era permitir o acesso rápido
a moeda em caso de contração total dos mercados após a quebra do Lehman Brothers.
Não podemos e não devemos ceder à explicação fácil de que a
solidariedade econômica, fiscal, financeira, política e cultural não possam
subsistir e devam ser banidas da arena internacional. Antes, devemos estar
atentos para o quanto a solidariedade a nível internacional e global necessitam
ser inventadas, sobretudo em momentos cruciais de crise como a que estamos
vivendo.
Sul
de Minas, 26 de julho de 21012.