sábado, 8 de novembro de 2014

E O MERCOSUL?

Gisálio Cerqueira Filho

          Observamos entre muitos um sentimento corrente que fica entre a timidez e a descrença com relação ao MERCOSUL, especialmente no Brasil. Que tal sentimento encontra acolhimento na grande imprensa, ninguém duvida. Alguns acusam fortemente o Brasil de ter transformado um modelo sistêmico que deveria ser de arbitragem por uma espécie de diplomacia presencial paralela. A crítica visa o presidente Luis Inácio Lula da Silva, a presidenta Dilma Rouseff e o ministro Marco Aurélio Garcia. Vez por outra, inclui o ex-chanceler Celso Amorim, hoje ministro da Defesa. Há muitos outros protagonistas em diversos pontos da sociedade política (organismos multilaterais na área de relações internacionais, administração pública, universidades, órgãos governamentais) e também na sociedade civil.
A crítica, entretanto, não é justa.
Avançamos no estabelecimento de uma solidariedade latino-americana nunca vista até então. Curamos feridas nas relações com a Argentina, vizinha e parceira, estabelecendo novos padrões de relacionamento diplomático e político. Acolhemos, por razões de justiça, pleitos da Bolívia referidos ao preço do gás.
É verdade que temos pendente um acordo importante com Europa, ela própria num sufoco sem precedentes em relação à magnitude das mudanças oriundas do estabelecimento da “Casa Europeia”, como gostava de citar M. Gorbachev, ex-dirigente da União Soviética. A crise econômica da atualidade também impactou a Europa.
Todavia, sem grandes atritos com os EUA, avançamos na inclusão de Cuba no sistema latino-americano; cuja exclusão, herança política da guerra-fria, teima em resistir, ainda que por razões ideológicas fundamentalistas. Alguns sequer conseguem tirar as lições da queda do muro de Berlim e da reunificação da Alemanha.
O bravo presidente José Mujica (no Uruguai não há reeleição) que troca por agora as funções de primeiro mandatário pela de senador da República, observa que seria desejável maior flexibilidade para acordos bilateriais entre países e que a crise da Argentina, com reservas colossais, não colabora com o avanço do MERCOSUL. O Brasil é percebido por muitos, e certamente pelo Uruguai, como paternalista. Como gosta de afirmar: o Brasil é um trator rebocando a Argentina. Perguntamos nós: mas os países não devem ajudar-se uns aos outros em situações de dificuldades (e vantagens) recíprocas?
Outro fator que exige atenção e perspicácia  econômica é a entrada no mercado internacional latino-americano da República Popular da China. A presença do Brasil nos BRICS, a recente criação do Banco dos BRICS, são a garantia da voz latino-americana ser ouvida nos fóruns internacionais alargados capazes de alcançar a Ásia.
Agora, o presidente uruguaio talvez tenha razão quando critica o setor industrial (burguesia paulista), “muito forte, que custa a entender que não é mais tempo de colonizar, mas sim juntar aliados para construir empresas transnacionais latino-americanas”. (Jornal VALOR ECONÔMICO, 07-11-2014, pág. 12, reportagem de Marli Olmos). Um certo individualismo possessivo, que se transforma em individualismo fóbico (ódio ao gozo do outro), não pode restaurar uma mentalidade colonial que só faz acirrar os ânimos dos parceiros mercosulinos? Haverá exagero em dizer que tal disposição afetiva, de acento elitista e excludente, se manifestou com força nos dias que antecederam o segundo turno das eleições no Brasil?
Mas essas já são águas passadas. Dilma Rousseff viaja para a Reunião do G-20 na Austrália.
Sugestão ao leitor: se tiver oportunidade, coloque uma mochila nas costas e viaje pela América Latina, a diversidade é imensa. Faça as escolhas que forem convenientes, mas exercite os sentidos da visão, da audição, olfato, tato e do paladar latino-americanos. Pratiquemos a verdadeira integração que toda viagem proporciona ao viajante: o contato efetivo e afetivo com a diversidade latino-americana pode ser um importante pré-requisito para políticas públicas na área da cultura. E que elas sejam capazes de soldar relações solidárias que façam impulsionar o MERCOSUL.
A inserção competitiva em cadeias produtivas internacionais de valor tem sido inviabilizadas pelo projeto ALCA por razões mais que conhecidas.
E se um MERCOSUL robusto vier a ser parceiro efetivo da Alcap (Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico) a ser criada em breve?

Nesse caso, ao menos, o Brasil não poderá via a ser acusado de nada, pois não está na Ásia, nem é banhado pelo Oceano Pacífico... 

domingo, 26 de janeiro de 2014





CELAC e NÓS

Gisálio Cerqueira Filho

Estamos às vésperas de um novo encontro da Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos (CELAC). Depois de todos os obstáculos à sua continuidade desde o lançamento em Caracas, em dezembro de 2011, faremos os latinoamericanos o segundo encontro de cúpula de Presidentes em La Habana, Cuba. Como compara o sociólogo Atílio Borón, estaremos diante de um Eppur si muove, como diria Galileo ? Naquela circunstância Hugo Chavez ainda vivia... E agora? Estariam maduras as condições para uma nova caminhada de aggiornamento? Como estará o Brasil, através de sua delegação, comandada pela Presidenta Dilma Rousseff? São muitas as responsabilidades coletivas e justamente, pelo momento inaugural de parte do novo Puerto de Mariel. Há perspectivas positivas de acordos e expectativas.
Já as condições políticas, certamente estarão modificadas pela eleição da Presidenta Michele Bachelet para um novo mandato em Chile. Sob a liderança de Raul Castro Ruz, uma rica pauta se anuncia. E logo em seguida virão as eleições em Costa Rica, domingo, 02 de fevereiro. Será que anunciarão novidades?
As novas diretrizes do Papa Francisco, encontrão eco neste novo momento?
Ou não se trata de oportuna uma declaração de que América Latina e Caribe constituem uma “Zona de Paz”?  Tanto no que se refere a intervenções externas aos Estados soberanos baseadas na força militar intervencionista quanto na preservação desta área no sentido de evitar armamentos nucleares. O tema é não apenas pertinente quanto atraente, do ponto de vista dos estudos sobre defesa e estratégia, especialmente para a UNASUL.
Do ponto de vista aduaneiro, como muitos críticos gostam de falar em relação ao MERCOSUL, mas, sobretudo, no que se refere ao aspecto econômico propriamente dito, o Brasil avulta não apenas como liderança fraterna entre seus parceiros, mas também como Estado independente em hora política precisa: a hipótese de retaliação de US$ 829 milhões aos EUA, contra subsídios ilegais aos exportadores de algodão, concernente à decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC). Recordamos que elas foram tomadas em 2010, após a condenação dos subsídios dados ao algodão pelo Tesouro americano. A decisão já contempla um debate no Itamaraty sobre o que seria a melhor alternativa, se a retaliação, que incluiria uma possível diminuição do comércio exterior, ou, ao contrário, a elevação comercial com compensações. O fato é que se discute abertamente a deliberação legal da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) em aumentar em até 100% o Imposto de Importação de uma vasta lista de itens oriundos dos EUA. Isto poderia levar a uma segunda decisão governamental que incluiria quebra de patentes de medicamentos, defensivos agrícolas, sementes, etc. Em determinados casos, o governo poderia optar pela taxação ou bloqueio temporário de remessas de dividendos e royalties. No dia 31 de janeiro de 2014 terminará o prazo concedido pelo governo ao setor produtivo brasileiro sobre quais medidas poderá adotar caso venha a se tornar o primeiro país a retaliar legalmente os EUA, conforme a OMC. Dois aspectos devem ainda ser levados em consideração: 1) os EUA não estão cumprindo o acordo firmado assim que foi publicada a decisão da OMC, que previa repasses mensais aos produtores de algodão do Brasil. 2) Uma posição dura e taxativa com relação aos EUA é defendida paroxísticamente pela bancada ruralista no Congresso Nacional em apoio ao setor algodoeiro... E aparentemente, qualquer decisão implicará o Brasil num contencioso comercial com os EUA.
Outro aspecto a considerar no âmbito da CELAC, mas dizendo respeito já aí às relações entre o MERCOSUL e a chamada ALIANÇA DO PACÍFICO (México, Chile, Colômbia, Peru) são as rotas comerciais asiáticas, especialmente para a China. À parte os debates acerca das diferenças entre “aliança aduaneira” e “aliança de livre comércio”, o presidente colombiano Juan Manoel Santos, que escreveu um livro com Tony Blair sobre uma terceira via para a América Latina, observa que os aparentes conflitos entre MERCOSUL e ALIANÇA DO PACÍFICO se resumem nesta frase: o mercado até onde seja possível e o estado até onde seja necessário.
As relações da Colômbia com Brasil são magníficas, diz Santos. E ambos os países apostam no fortalecimento desses laços de solidariedade.
De verdade, e isto ficou claro na última reunião mundial de Davos, o Brasil apresentou-se como detentor de um projeto amplo de inclusão social, que, todavia, não pode se esgotar em si mesmo, a despeito de um crescimento econômico relativamente baixo. Agora, se sacrificou o crescimento econômico capitalista para tirar da pobreza milhões de brasileiros, e isto parece ter a concordância dos eleitores, tal parece estar de acordo com as recentes exortações do Papa Francisco, que, aliás, priorizou o Brasil na sua visita pastoral, nem bem se estabeleceu no Vaticano.
Se não isso, só dois disso. Que as alianças latinoamericanas com vistas a rota do Pacifico possam convergir  neste final de janeiro, véspera do encontro de presidentes da CELAC.
Oxalá Yemanjá - a rainha do Mar - festejada em 02 de fevereiro na Bahia de São Salvador – possa também nos ajudar a todos e todas ...