VITÓRIA AMARGA DE
NICOLÁS?
Gisálio Cerqueira Filho
Algumas agências de notícias, sejam
internacionais ou nacionais, anunciaram os resultados nas eleições venezuelanas
de 14 de abril p.p. com titulares em destaque: Vitória amarga de Maduro.
O
lapso na expressão nos oferece rara oportunidade para interpretar alguns
aspectos da vitória de Nicolás Maduro por maioria absoluta dos votos sobre o
candidato oposicionista Henrique Capriles. Sim, pois com 50.75% – ou
seja, pelo menos metade mais um dos
votos válidos – contra 48.97 % obtidos por Henrique Capriles . Em números
absolutos foram 7.563.747 votos (Maduro) contra 7.298.491 votos (Capriles). A
diferença ficou em 265.256 votos (1.78 %).
Assim,
alguns intérpretes da vitória do herdeiro político de Hugo Chávez
qualificaram-na como fruto de sabor amargo colhido e comido por Maduro;
exatamente ele que, com esse nome de
guerra - Maduro – não poderia colher e comer o fruto da vitória, se não
como sabor de fruta madura...
Todavia, esses analistas esquecem
que Nicolás se apresentou como candidato presidencial na sequência da morte que
se aproximava do líder bolivariano Hugo Chávez, cujo falecimento precipitou-se,
pela urgência de um câncer avassalador. “A morte não tem dia reservado só para
ela”. (Samuel Beckett. Proust.
Londres: Calder, 1965, p. 17).
O
sociólogo Theodor Adorno conferiu caráter heurístico, com sentido denso e
extraordinário, ao conceito de “estilo tardo” (spätstil), num fragmento sobre a terceira e última fase do
compositor Beethoven. E o escritor Edward Said ressaltou o trabalho incessante
da pulsão de morte presente no trabalho intelectual e político.
“O
estilo tardio faz parte e, ao mesmo tempo, está à parte do presente. São poucos
os artistas e pensadores capazes de levar seu ofício tão a sério a ponto de
perceber que também ele envelhece e deve enfrentar a morte, sem poder recorrer
senão à memória e aos sentidos em decadência. Adorno afirma a propósito de
Beethoven que o estilo tardio não admite as cadências definitivas da morte; nele,
ao contrário, a morte aparece como refração, como ironia. E, contudo, a ironia
maior está em que, na solenidade opulenta, fraturada e de algum modo
inconsistente de obras como a Missa Solemnis ou Os Ensaios de Adorno, a
condição tardia – como tema e como estilo – acaba sempre por nos falar da
morte”. (Edward Said. Estilo tardio. São Paulo: Companhia das Letras. 2009, p. 44).
E logo adiante:
“Faz
parte da nossa imaginação crítica que possamos ver a produção científica e
intelectual como prazer, diversão, e ambos, como a privacidade, como resistência, pois não
exigem conciliação com um status quo, qualquer que seja ele, ou com um regime
dominante”. (Edward
Said. Op. cit. p. 15).
Assim,
o estilo tardio que se impõe com a urgência da morte, (seja para os que estão
no processo de falecimento, seja para aqueles que, vivos, substituem os mortos)
não possibilitam frutos amadurecidos que possam ser colhidos e desfrutados.
Esses frutos, colhidos sempre na urgência intempestiva da morte, são
necessariamente frutos verdes, amargos, pela contingência dos processos
históricos.
Isto
posto, vejamos como se pode perceber a vitória apertada de Nicolás Maduro. Como
chamou atenção o sociólogo Atílio Borón, uma dupla evidência deve ser
ressaltada: 1) a embriaguez metodológica estatística das pesquisas eleitorais,
que apontavam para uma vitória relativamente folgada de Maduro. 2) a surpresa da reação de Capriles em
deslegitimar o pleito em que foi derrotado. Onde a surpresa? Se já vimos a
reação golpista ali onde a derrota ocorreu por números que não alcançavam a
maioria absoluta. Para dar dois exemplos: 1) não foi o que ocorreu na vitória
de Salvador Allende no Chile, confirmada no Congresso Nacional, como exigia a
Constituição? 2) E também no Brasil,
quando em 1955, Juscelino Kubitscheck ganhou as eleições? Uma parte da oposição
argumentava que JK não tivera maioria absoluta. O General Henrique Lott, numa
manobra politico-militar preventiva barrou as pretensões golpistas e garantiu a
posse do eleito.
O
fato é que, nas circunstâncias, sabemos que para qualquer governo que não se
submeta ao Império, a palavra de ordem mais imediata das agências de informação
e contra-infomação é deslegitimar o processo eleitoral. Regionalmente e
nacionalmente, não foi isso que foi permanentemente denunciado pelo líder
político brasileiro Leonel Brizola, já falecido? E o que demonstram os arquivos
norte-americanos em relação à deposição do Governo João Goulart?
De
todo modo, que não surpreenda a pequena diferença de 1.78% entre os 50.75 % para Maduro e 48.97 % para
Capriles. Se não, vejamos:
1-Nos
EUA, nas eleições de 2000, Al Gore venceu George W. Bush por 48.4% contra
47,9%. Diferença de 0.5%
2- Bem
recente, na Venezuela, no referendo constitucional de 2007, Henrique Capriles
impôs-se a Chávez por 50.6% contra 49.3%. Diferença
de 1.3 % a favor da oposição.
3-Em 1968, ainda na Venezuela, Rafael Caldera
(COPEI) ganhou do candidato Gonzalo Barrios (Aliança Democrática - AD) por
29.1% contra 28.2% dos votos. Diferença
de 0.9%.
4-
Novamente na Venezuela, em 1978, Herrera Campins (COPEI) venceu por 46.6 % o
candidato da Aliança Democrática, que obteve 43.4 % dos votos. Diferença de 3,20 %.
5- E
de volta aos EUA, 1960,
John Fitzgerald. Kennedy, com 49.7 % venceu Richard Nixon que obteve 49.6 %. Diferença de 0.10 %.
Como se pode ver, a vitória de
Nicolás Maduro sobre Henrique Capriles e, na contingência do luto imposto pela
morte de Chávez, foi mais sofrida e suada do que amarga. Não fugiu à regra das
lutas políticas mais pujantes e não poderia ser de outra maneira na história
recente da América do Sul.
Hay mucho trabajo por realizar.