AQUÍFERO
GUARANI
Gisálio
Cerqueira Filho
Comenta-se com insistência que o Paraguai vai entrar
para a área de influência dos Estados Unidos da América do Norte. E não só
comercialmente, pois deverá permitir que os EUA instalem uma base militar no
seu território. Há tempo que o irmão do norte quer uma base junto do
“Aquífero Guarani”, a maior reserva de água doce potável do mundo, e que
abrange parte do Paraguai, Uruguai, Argentina e quase toda a região sul do
Brasil; mais pedaços de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, e a região da
Serra Dourada junto de Brasília. Ocupa
uma área de 1,2 milhões de km², assim distribuídos: Brasil (840.000l Km²),
Paraguai (58.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina (255.000 Km²). Todos os
estudiosos estão de acordo que o Aquífero Guarani constitui-se em uma
importante reserva estratégica tanto para o abastecimento da população, quanto
para o desenvolvimento das atividades econômicas e de lazer.
Devemos abordar tal questão no âmbito estrito dos
interesses sul-americanos e não como revanche que o Paraguai possa dar aos
atuais membros do Mercosul que acordaram a sua suspensão temporária do grupo; o
que deverá ser ratificado em novo encontro dos países membros no próximo dia 31
de julho. O impedimento do presidente Fernando Lugo, na forma antidemocrática
como ocorreu, ensejou a determinação de Argentina, Brasil e Uruguai. Na
sequência da ausência do Paraguai, houve a aprovação da Venezuela como novo
país membro do Mercosul, pois até então estava exclusivamente na dependência da
aprovação do congresso do Paraguai. Muitos não esperavam a decisão acordada
pelo Brasil, Argentina e Uruguai de suspender o Paraguai do Mercosul; todavia,
sem que se tomassem decisões de retaliação ao povo paraguaio.
Hoje como ontem, fica bastante claro como as
eventuais diferenças entre latino-americanos da Sul-América podem ser usadas no
sentido de dividir os sul-americanos. Ressentimentos de longa data, sentimentos
requentados, são trazidos à superfície das relações diplomáticas entre governos
quando não é a própria intriga que serve aos interesses da desintegração
regional e dependência internacional. Nesses 200 anos de esforço pós-independência
política, visando a integração e emancipação nos termos de uma comunidade imaginada
podemos então conferir o sucesso precário da caminhada.
Na
América do Sul, e no Brasil em particular, a hipótese dos renovados interesses
nacionais escaparem dos conflitos em escala global que ocorrem hoje, na Síria,
por exemplo, apontam para uma singularidade na conjuntura internacional. Nesse
cenário, atiçam-se sentimentos de inveja e cobiça com relação às reservas do
petróleo do Pré-sal, do legítimo desejo independentista da Argentina nas Ilhas
Malvinas e com relação às visíveis potencialidades do continente sul-americano,
num contexto de crise mundial. O fracasso da ALCA com a expressiva liderança
política do Governo Luís Inácio Lula da Silva levou, numa contraofensiva norte-americana,
não só a acordos bilaterais e maior aproximação dos EUA com México e Colômbia,
mas também ao estabelecimento de novas bases militares de fixação terrestre
norte-americanas na região, bem como o deslocamento da IV Frota da Marinha dos
Estados Unidos. para o Atlântico Sul.
Experimentos políticos realizam-se hoje em vários
pontos da América do Sul. Não só no que concerne à integração cultural e a uma
fantástica aproximação linguística; há presentemente muito maior integração e
comunicação entre as juventudes latino-americanas, inclusive no plano
universitário. A criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA), em Foz do Iguaçu, foi um avanço. Na atualidade, Venezuela, Bolívia e
Equador realizam fortes experimentos de participação popular política e social
a partir de associações proletárias, algumas vezes também de moradores e
círculos de vizinhança, criam conselhos comunitários, num processo social
que prenuncia novas formas de
organização política.
Uma fábula pode ilustrar a importância de sabermos
gerir diferenças entre nós latino-americanos, mesmo diante de circunstâncias
excepcionais como agora com Fernando Lugo e, ontem com o golpe em Honduras. O
que não se pode é oferecer a oportunidade para um maior divisionismo seja no
Mercosul, seja na UNASUL ou em qualquer outro organismo multilateral que nos
junte.
Mas passemos à fábula, de natureza realista. Com
perspectivas distintas sim, mas ambos interessados na disputa olímpica,
modalidade esportiva do futebol, Grã-Bretanha e Brasil jogaram no dia 20 de
julho uma partida amistosa às vésperas das Olimpíadas de Londres. O time da
Grã-Bretanha não joga o futebol olímpico há 41 anos, quando falhou ao tentar
disputar uma vaga no torneio olímpico de Munique, 1971. O Brasil, cuja fama no
futebol corre o mundo, deseja ardentemente o que ainda não tem: a medalha de
ouro no futebol olímpico.
Sabemos que historicamente, no âmbito da
Grã-Bretanha, ingleses, irlandeses, escoceses e galeses se pegam e tem que
administrar diferenças e conflitos de interesses econômicos, religiosos e
políticos. Aparentemente bem sucedidos na política, não se pode falar o mesmo
no futebol. Junto à FIFA os interesses divergentes acabam por cobrar entre as
suas exigências um certo divisionismo: por exemplo, as quatro nações são
representadas separadamente e querem direitos políticos com assento singular no
International Board; exigem uma
vice-presidência na própria FIFA (hoje ela é garantida por rodízio entre as
quatro nacionalidades), querem ainda manter a particularidade nos uniformes
(camisas) para as competições internacionais. Os conflitos a partir das exigências
singulares fizeram com que as Federações da Irlanda, Escócia e Gales,
desestimulassem com veemência seus jogadores a aceitar a convocação para as
Olimpíadas. O resultado foi um time de futebol que está longe de representar a
força máxima da Grã-Bretanha e isso apesar da aceitação dos cinco galeses
convocados.
Essa é a moral da fábula: se querem ser ouvidos
politicamente, os latino-americanos não podem chegar cada qual à arena da
política internacional sem o máximo do seu força poder. Mas temos que chegar
juntos. Juntos e fortes. E para tanto se requer muita aproximação, habilidade,
conversação, espírito de grandeza. Oxalá, saibamos corresponder àqueles que
tanto esperam de nós.