terça-feira, 16 de abril de 2013



VITÓRIA AMARGA DE NICOLÁS?
Gisálio Cerqueira Filho

            Algumas agências de notícias, sejam internacionais ou nacionais, anunciaram os resultados nas eleições venezuelanas de 14 de abril p.p. com titulares em destaque: Vitória amarga de Maduro.
O lapso na expressão nos oferece rara oportunidade para interpretar alguns aspectos da vitória de Nicolás Maduro por maioria absoluta dos votos sobre o candidato oposicionista Henrique Capriles. Sim, pois com 50.75%    ou seja, pelo menos metade mais um dos votos válidos  – contra 48.97 %  obtidos por Henrique Capriles . Em números absolutos foram 7.563.747 votos (Maduro) contra 7.298.491 votos (Capriles). A diferença ficou em 265.256 votos (1.78 %).
            Assim, alguns intérpretes da vitória do herdeiro político de Hugo Chávez qualificaram-na como fruto de sabor amargo colhido e comido por Maduro; exatamente ele que, com esse nome de guerra - Maduro – não poderia colher e comer o fruto da vitória, se não como sabor de fruta madura...
            Todavia, esses analistas esquecem que Nicolás se apresentou como candidato presidencial na sequência da morte que se aproximava do líder bolivariano Hugo Chávez, cujo falecimento precipitou-se, pela urgência de um câncer avassalador. “A morte não tem dia reservado só para ela”. (Samuel Beckett. Proust. Londres: Calder, 1965, p. 17).
O sociólogo Theodor Adorno conferiu caráter heurístico, com sentido denso e extraordinário, ao conceito de “estilo tardo” (spätstil), num fragmento sobre a terceira e última fase do compositor Beethoven. E o escritor Edward Said ressaltou o trabalho incessante da pulsão de morte presente no trabalho intelectual e político.

“O estilo tardio faz parte e, ao mesmo tempo, está à parte do presente. São poucos os artistas e pensadores capazes de levar seu ofício tão a sério a ponto de perceber que também ele envelhece e deve enfrentar a morte, sem poder recorrer senão à memória e aos sentidos em decadência. Adorno afirma a propósito de Beethoven que o estilo tardio não admite as cadências definitivas da morte; nele, ao contrário, a morte aparece como refração, como ironia. E, contudo, a ironia maior está em que, na solenidade opulenta, fraturada e de algum modo inconsistente de obras como a Missa Solemnis ou Os Ensaios de Adorno, a condição tardia – como tema e como estilo – acaba sempre por nos falar da morte”. (Edward Said. Estilo tardio. São Paulo: Companhia das Letras. 2009, p. 44).

            E logo adiante:

“Faz parte da nossa imaginação crítica que possamos ver a produção científica e intelectual como prazer, diversão, e ambos, como a privacidade, como resistência, pois não exigem conciliação com um status quo, qualquer que seja ele, ou com um regime dominante”. (Edward Said. Op. cit. p. 15).
           
Assim, o estilo tardio que se impõe com a urgência da morte, (seja para os que estão no processo de falecimento, seja para aqueles que, vivos, substituem os mortos) não possibilitam frutos amadurecidos que possam ser colhidos e desfrutados. Esses frutos, colhidos sempre na urgência intempestiva da morte, são necessariamente frutos verdes, amargos, pela contingência dos processos históricos.
Isto posto, vejamos como se pode perceber a vitória apertada de Nicolás Maduro. Como chamou atenção o sociólogo Atílio Borón, uma dupla evidência deve ser ressaltada: 1) a embriaguez metodológica estatística das pesquisas eleitorais, que apontavam para uma vitória relativamente folgada de Maduro.  2) a surpresa da reação de Capriles em deslegitimar o pleito em que foi derrotado. Onde a surpresa? Se já vimos a reação golpista ali onde a derrota ocorreu por números que não alcançavam a maioria absoluta. Para dar dois exemplos: 1) não foi o que ocorreu na vitória de Salvador Allende no Chile, confirmada no Congresso Nacional, como exigia a Constituição?  2) E também no Brasil, quando em 1955, Juscelino Kubitscheck ganhou as eleições? Uma parte da oposição argumentava que JK não tivera maioria absoluta. O General Henrique Lott, numa manobra politico-militar preventiva barrou as pretensões golpistas e garantiu a posse do eleito.
O fato é que, nas circunstâncias, sabemos que para qualquer governo que não se submeta ao Império, a palavra de ordem mais imediata das agências de informação e contra-infomação é deslegitimar o processo eleitoral. Regionalmente e nacionalmente, não foi isso que foi permanentemente denunciado pelo líder político brasileiro Leonel Brizola, já falecido? E o que demonstram os arquivos norte-americanos em relação à deposição do Governo João Goulart?
            De todo modo, que não surpreenda a pequena diferença de 1.78%  entre os 50.75 % para Maduro e 48.97 % para Capriles. Se não, vejamos:
1-Nos EUA, nas eleições de 2000, Al Gore venceu George W. Bush por 48.4% contra 47,9%. Diferença de 0.5%
2- Bem recente, na Venezuela, no referendo constitucional de 2007, Henrique Capriles impôs-se a Chávez por 50.6% contra 49.3%. Diferença de 1.3 % a favor da oposição.
 3-Em 1968, ainda na Venezuela, Rafael Caldera (COPEI) ganhou do candidato Gonzalo Barrios (Aliança Democrática - AD) por 29.1% contra 28.2% dos votos. Diferença de 0.9%.
4- Novamente na Venezuela, em 1978, Herrera Campins (COPEI) venceu por 46.6 % o candidato da Aliança Democrática, que obteve 43.4 % dos votos. Diferença de 3,20 %.
5- E de volta aos EUA, 1960, John Fitzgerald. Kennedy, com 49.7 % venceu Richard Nixon que obteve 49.6 %. Diferença de 0.10 %.
            Como se pode ver, a vitória de Nicolás Maduro sobre Henrique Capriles e, na contingência do luto imposto pela morte de Chávez, foi mais sofrida e suada do que amarga. Não fugiu à regra das lutas políticas mais pujantes e não poderia ser de outra maneira na história recente da América do Sul.
Hay mucho trabajo por realizar.

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