O Fórum
Universitário do Mercosul vive
Gisálio
Cerqueira Filho
Entre os dias 27 e 29 de setembro
de 2017 realizamos, na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, o XVI
Congresso Internacional do Fórum Universitário do Mercosul (FoMERCO) sob a presidência
Do Dr. Renato Vieira Martins. Foram dias intensos carregados de latino-americanidade
vividos desde o momento da conferência de abertura, pelo Embaixador Samuel
Pinheiro Guimarães, espraiando-se pelas
mesas redondas e 13 Grupos de Trabalho (GTs).
O nosso propósito é dar conta
aos nossos leitores da participação do (Núcleo Observando o Sul – NOS – da Universidade Federal
Fluminense (UFF), no GT 13 intitulado “A América Latina e o Sul Global – novas
abordagens, velhos problemas”. O referido GT coordenado pelos Professores
Danielle Araújo (UNILA) e Alejandro Casas (UDELAR) teve uma dinâmica
muito positiva com a participação dos seguintes acadêmicos: Ana Lethycia França
Araújo, Carla Oliveira Espanhol, Débora Menezes Alcântara, Gizlene Neder, Gisálio
Cerqueira Filho, Jean Michel Daros Hack, Joseli Fiorim Gomes, Lina Sofia Mora
Rios, Ludmila Ferreira Ribeiro, Maicon Fabrício Batista de Jesus, Paula de
Souza Constante, Sanel Charlotin, Thaise Edith Coimbra Sampaio. As instituições
presentes: UERJ, UFC, UFF, UFMG, UFRGS, UFS, UNEB, UNILA.
Os temas abordados cobriram
desde a integração regional latino-americana, o repensar
pós-colonial/decolonial da integração regional inscrito na teoria do “Sul
global”, cujo mote está representado na frase “nuesro norte es el Sur” dado pela estética de Torres Garcia, até a
cultura política que envolve tanto constitucionalismo moderno quanto as
tendências do constitucionalismo andino presente chamado “giro biocêntrico” e
nas considerações acerca do “buen vivir”.
Também a autonomia Guarani Charagua Iyambae foi abordada sob o prisma da
colonialidade do poder.
No caso concreto do Núcleo
Observando o Sul – NOS – da
Universidade Federal Fluminense (UFF), Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira
apresentaram o trabalho intitulado Patriotismo
da constituição e neo-tomismo: Cultura político-jurídica e cidadania na
América Latina.
O objetivo foi problematizar a
expressão utilizada pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, “Patriotismo da Constituição” (Verfassungspatriotismus). Destacamos
principalmente seus efeitos na arena das disputas ideológicas que estão
dividindo vivamente a sociedade contemporânea. O “patriotismo da constituição”
(e sua defesa) tem sido tomado como estratégia central de repúdio e desprezo às
múltiplas expressões de projetos particulares, de natureza étnica ou não, quase
sempre referidos como autoritários, populistas e antidemocráticos. Trata-se
de um vínculo “patriótico” não com as raízes étnicas de uma pessoa, ou com o
local de nascimento, mas com a constituição dita democrática do Estado que
abrange igualmente a totalidade dos cidadãos. Nesse sentido, chamamos a atenção
para o fato de que os aspectos democráticos e progressistas do
constitucionalismo moderno podem ser mera aparência; sobretudo quando pensados
de forma abstrata – ou por outra, ainda imersos na metafísica. Para o filósofo
esloveno Slavoj Zizek [1], a interpretação de J.
Habermas é perigosa e encobre, na verdade, uma postura autoritária sob a capa
da defesa dos direitos humanos, ou de defesa da cidadania. Jürgen Habermas teria esquecido a
lição básica que se deve tirar de Carl Schmitt (1888-1985), e que envolve a
divisão política “entre amigo e inimigo” que permeia a cultura
jurídico-política. O inimigo na contemporaneidade frequentemente estaria
associado, para ficarmos tão somente na América Latina, às novas lideranças
emergentes tal como
sindicalistas, indígenas, afro-descendentes, moradores de favelas e periferia
das grandes cidades; militantes de ONGs, soldados, entre outros.
Esta divisão nunca é apenas a
constatação de uma diferença factual: o inimigo é por definição invisível em
sua dimensão crucial. Ele se parece com um de nós; não pode ser diretamente
identificado e é por isso que o maior problema e a tarefa da luta política são
construir e fornecer a imagem identificável do inimigo. Em síntese: para Slavoj
Zizek a identificação do inimigo é sempre um procedimento formativo que, em
contraste com as aparências enganosas, esclarece (constrói) a “verdadeira face”
do inimigo.
Carl Schmitt refere-se à
categoria kantiana de Einbildungskraft (o poder transcendental da
imaginação). Para identificar o inimigo, não basta a subclassificação
conceitual em categorias preexistentes; é necessário “esquematizar” a figura
lógica do inimigo, dotando-o de feições concretas e tangíveis que o tornem um
alvo apropriado de ódio e luta[2]. No passado, isto
aconteceu com a imagem do judeu na Alemanha nazista. E logo a dos comunistas,
ciganos, eslavos, etc. A decantação de tal rastro do imaginário, que tem um
poder transcendental – porque referido às crenças e imerso na subjetividade dos
sentimentos e fantasias neo-absolutistas (aqui o neo-tomismo) [3] – é tarefa necessária para
as disputas político-ideológicas [4].
Esta comunicação e as demais
suscitaram amplo debate com calorosas intervenções, num clima de respeito e
consideração.
Está de parabéns o FoMERCO!
[1] ZIZEK, Slavoj. “O Filósofo Estatal”, In
Caderno MAIS, São Paulo: Folha de São
Paulo, 24/03/2002.
[2] ZIZEK, Slavoj e
DALY, Glyn. Arriscar o Impossível: conversas com
Zizek, São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
[3] NEDER. Gizlene. Duas Margens: ideias jurídicas e sentimentos políticos no Brasil e em
Portugal na passagem à modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2011.
[4] CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Autoritarismo afetivo: a Prússia como
sentimento, São Paulo: Editora Escuta, 2006.
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