sábado, 7 de outubro de 2017

O Fórum Universitário do Mercosul vive

O Fórum Universitário do Mercosul vive

Gisálio Cerqueira Filho

Entre os dias 27 e 29 de setembro de 2017 realizamos, na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, o XVI Congresso Internacional do Fórum Universitário do Mercosul (FoMERCO) sob a presidência Do Dr. Renato Vieira Martins. Foram dias intensos carregados de latino-americanidade vividos desde o momento da conferência de abertura, pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães,  espraiando-se pelas mesas redondas e 13 Grupos de Trabalho (GTs).
O nosso propósito é dar conta aos nossos leitores da participação do (Núcleo Observando o Sul – NOS – da Universidade Federal Fluminense (UFF), no GT 13 intitulado “A América Latina e o Sul Global – novas abordagens, velhos problemas”. O referido GT coordenado pelos Professores Danielle Araújo  (UNILA)  e Alejandro Casas (UDELAR) teve uma dinâmica muito positiva com a participação dos seguintes acadêmicos: Ana Lethycia França Araújo, Carla Oliveira Espanhol, Débora Menezes Alcântara, Gizlene Neder, Gisálio Cerqueira Filho, Jean Michel Daros Hack, Joseli Fiorim Gomes, Lina Sofia Mora Rios, Ludmila Ferreira Ribeiro, Maicon Fabrício Batista de Jesus, Paula de Souza Constante, Sanel Charlotin, Thaise Edith Coimbra Sampaio. As instituições presentes: UERJ, UFC, UFF, UFMG, UFRGS, UFS, UNEB, UNILA.
Os temas abordados cobriram desde a integração regional latino-americana, o repensar pós-colonial/decolonial da integração regional inscrito na teoria do “Sul global”, cujo mote está representado na frase “nuesro norte es el Sur” dado pela estética de Torres Garcia, até a cultura política que envolve tanto constitucionalismo moderno quanto as tendências do constitucionalismo andino presente chamado “giro biocêntrico” e nas considerações acerca do “buen vivir”. Também a autonomia Guarani Charagua Iyambae foi abordada sob o prisma da colonialidade do poder.
No caso concreto do Núcleo Observando o Sul – NOS – da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira apresentaram o trabalho intitulado Patriotismo da constituição e neo-tomismo: Cultura político-jurídica e cidadania na América Latina.
O objetivo foi problematizar a expressão utilizada pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, “Patriotismo da Constituição” (Verfassungspatriotismus). Destacamos principalmente seus efeitos na arena das disputas ideológicas que estão dividindo vivamente a sociedade contemporânea. O “patriotismo da constituição” (e sua defesa) tem sido tomado como estratégia central de repúdio e desprezo às múltiplas expressões de projetos particulares, de natureza étnica ou não, quase sempre referidos como autoritários, populistas e antidemocráticos. Trata-se de um vínculo “patriótico” não com as raízes étnicas de uma pessoa, ou com o local de nascimento, mas com a constituição dita democrática do Estado que abrange igualmente a totalidade dos cidadãos. Nesse sentido, chamamos a atenção para o fato de que os aspectos democráticos e progressistas do constitucionalismo moderno podem ser mera aparência; sobretudo quando pensados de forma abstrata – ou por outra, ainda imersos na metafísica. Para o filósofo esloveno Slavoj Zizek [1], a interpretação de J. Habermas é perigosa e encobre, na verdade, uma postura autoritária sob a capa da defesa dos direitos humanos, ou de defesa da cidadania. Jürgen Habermas teria esquecido a lição básica que se deve tirar de Carl Schmitt (1888-1985), e que envolve a divisão política “entre amigo e inimigo” que permeia a cultura jurídico-política. O inimigo na contemporaneidade frequentemente estaria associado, para ficarmos tão somente na América Latina, às novas lideranças emergentes tal como sindicalistas, indígenas, afro-descendentes, moradores de favelas e periferia das grandes cidades; militantes de ONGs, soldados, entre outros.
Esta divisão nunca é apenas a constatação de uma diferença factual: o inimigo é por definição invisível em sua dimensão crucial. Ele se parece com um de nós; não pode ser diretamente identificado e é por isso que o maior problema e a tarefa da luta política são construir e fornecer a imagem identificável do inimigo. Em síntese: para Slavoj Zizek a identificação do inimigo é sempre um procedimento formativo que, em contraste com as aparências enganosas, esclarece (constrói) a “verdadeira face” do inimigo.
Carl Schmitt refere-se à categoria kantiana de Einbildungskraft (o poder transcendental da imaginação). Para identificar o inimigo, não basta a subclassificação conceitual em categorias preexistentes; é necessário “esquematizar” a figura lógica do inimigo, dotando-o de feições concretas e tangíveis que o tornem um alvo apropriado de ódio e luta[2]. No passado, isto aconteceu com a imagem do judeu na Alemanha nazista. E logo a dos comunistas, ciganos, eslavos, etc. A decantação de tal rastro do imaginário, que tem um poder transcendental – porque referido às crenças e imerso na subjetividade dos sentimentos e fantasias neo-absolutistas (aqui o neo-tomismo) [3] – é tarefa necessária para as disputas político-ideológicas [4].
Esta comunicação e as demais suscitaram amplo debate com calorosas intervenções, num clima de respeito e consideração.
Está de parabéns o FoMERCO!










[1] ZIZEK, Slavoj. “O Filósofo Estatal”, In Caderno MAIS, São Paulo: Folha de São Paulo, 24/03/2002.
[2] ZIZEK, Slavoj e DALY, Glyn. Arriscar o Impossível: conversas com Zizek, São Paulo: Martins Fontes, 2006.
[3] NEDER. Gizlene. Duas Margens: ideias jurídicas e sentimentos políticos no Brasil e em Portugal na passagem à modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2011.
[4] CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Autoritarismo afetivo: a Prússia como sentimento, São Paulo: Editora Escuta, 2006.

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