terça-feira, 16 de julho de 2013

O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO


Gisálio Cerqueira Filho*

Dentre os megaeventos planejados pelo Brasil para os próximos anos, o primeiro passou no teste, a despeito das manifestações de rua que tomaram conta do país. Refiro-me à Copa das Confederações, patrocinada pela FIFA e encarada como ensaio para a Copa do Mundo de 2014. Curiosamente muito reclamou-se contra a interferência internacional da FIFA no Brasil, embora ela própria tenha sido idealizada num patamar próprio dos modelos ideais ao ponto de pequenos cartazes levados por manifestantes sinceros dizerem: “quero saúde padrão FIFA” e por aí vai: “educação padrão FIFA”, “segurança padrão FIFA” e, ironia contundente, um outro com os dizeres “contra a corrupção”, justamente quando a própria FIFA é frequentemente acusada de corrupção na Europa, ao ponto de denúncias terem provocado a renúncia do presidente honorário  João Havelange, grande eleitor do atual Joseph Blatter. Uma bela jovem carregava um quadrado de papelão com dizeres em tinta verde: “quero um namorado padrão FIFA”.
Ah! O desejo; esse oco - vazio nunca preenchido - que nos afeta e nos move, pois enquanto houver vida, deve-se viver e a vida gozar de todas maneiras (im)previstas...
Manifestações públicas surgidas numa demanda contra o aumento de transporte, cuja discussão já vinha sendo realizada há algum tempo pelo MPL (Movimento do Passe Livre), elas produziram dois efeitos simultâneos e já pensando nas Olímpiadas de 2016: 1) acenderam a chama do desejo que incendeia o político e move multidões. 2) levantaram indagações acerca de uma pauta de mudanças substantivas que a sociedade deseja implementar.    
Logo teremos mais um teste: a visita do Papa Francisco, que certamente mexe, e muito, com as igrejas evangélicas. Oxalá, tenhamos uma experiência que nada recorde as terríveis batalhas campais até outro dia acontecidas na Irlanda, para ficarmos num único exemplo. Que a oportunidade seja a da demonstração ecumênica já antevista pelo Papa João XXIII e pelo Concílio Vaticano II.
Todavia, entre as primeiras manifestações de rua e no aguardo da visita do Papa Francisco ocorreram distintas marchas com ações ostensivas de fechamento de estradas importantes, escoadouros da produção agrícola, com planejamento que escapa a um ato espontâneo e súbito, promovido através das chamadas “redes sociais”. Para muitos observadores tratou-se mesmo de um lock-out realizado por organizações patronais e pelo agronegócio.
Houve sim manifestações onde estiveram quilombolas, indígenas, alguns sem teto. Entretanto, a maioria dos primeiros manifestantes foi formada por “muito jovens”, classe média, sufocados pelas dificuldades de transporte e pela vida imperante nas grandes cidades. Poucos afrodescendentes nestas manifestações, poucos da periferia, das favelas. Isso era observável a olho nu. Daí, aqui e ali, perguntarmo-nos: onde se dá a sedução do político em relação a esses jovens passeantes nas ruas? Resposta: simplesmente, não se dá; não há indução à participação política proporcional à vida que pulsa acanhada, no Brasil.
Ressentidos, inconformados de ocasião, adversários da abertura política que não toleram as efetivas mudanças no aparelho policial e não aceitam as verdades da “Comissão da Verdade”; espreitam ansiosos, por uma oportunidade que os façam protagonistas.
Certamente, a visita do Papa Francisco não dará ânimo a esses oposicionistas ao Estado democrático de direito, pois na cidade do Rio de Janeiro, a expectativa é que dois milhões de também jovens (afinal são as “Jornadas da Juventude”) se reconciliem num encontro fraterno que saúda o anúncio dos mais recentes santos da Igreja a serem canonizados: os Papas João XXIII e João Paulo II, um que aponta para o “múltiplo” e outro para o “um” das tantas perguntas dos católicos de todo o mundo.
Não deixa de ser sintomático que nesse momento histórico divulgue-se um programa de espionagem dos EUA, de caráter global e alcance planetário, mas que impacta diretamente o esforço que os países da América Latina realizam de construir uma rede de solidariedade que recupera o sonho de tantos libertadores de ontem e de hoje. Nesse sentido a reunião do Mercosul que está por ser realizada proximamente  é de suma importância.
Na altura, a presidente Dilma Rousseff reagiu com uma proposta de cinco pactos com os Estados federados, os municípios, e a sociedade civil, capaz de, propondo um plebiscito, visar à reforma político-eleitoral. A consulta à população sobre temas chaves que a hora impõe, resignifica o “ouvir as ruas” e deve ser alvo de legislação pertinente a ser votada pelo Poder Legislativo. Ainda que não se realizem a tempo das mudanças ocorrerem já para as eleições de 2014 é uma proposta de diálogo com os políticos, cujo virar as costas poderia ser muito temerário e custoso politicamente.
No dia 11 de julho de 2013 está previsto o Dia Nacional de Lutas e certamente as manifestações farão emergir tantos os diversos movimentos sindicais, o MST e outras organizações da sociedade civil, que não representam apenas setores de classe média ou “descontentes”.
Vejamos se eles terão força política para sugerir pontos relevantes para alavancar uma pauta capaz de fazer avançar as reivindicações da hora.
Definitivamente, estamos na preliminar e o jogo está por ser jogado.


* Gisálio Cerqueira Filho é Professor Titular - Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador sênior do Laboratório Cidade e Poder.

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