O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO
Gisálio Cerqueira Filho*
Dentre os megaeventos planejados pelo
Brasil para os próximos anos, o primeiro passou no teste, a despeito das
manifestações de rua que tomaram conta do país. Refiro-me à Copa das
Confederações, patrocinada pela FIFA e encarada como ensaio para a Copa do Mundo
de 2014. Curiosamente muito reclamou-se contra a interferência internacional da
FIFA no Brasil, embora ela própria tenha sido idealizada num patamar próprio
dos modelos ideais ao ponto de pequenos cartazes levados por manifestantes
sinceros dizerem: “quero saúde padrão FIFA” e por aí vai: “educação padrão
FIFA”, “segurança padrão FIFA” e, ironia contundente, um outro com os dizeres
“contra a corrupção”, justamente quando a própria FIFA é frequentemente acusada
de corrupção na Europa, ao ponto de denúncias terem provocado a renúncia do
presidente honorário João Havelange,
grande eleitor do atual Joseph Blatter. Uma bela jovem carregava um quadrado de
papelão com dizeres em tinta verde: “quero um namorado padrão FIFA”.
Ah! O desejo; esse oco - vazio nunca
preenchido - que nos afeta e nos move, pois enquanto houver vida, deve-se viver
e a vida gozar de todas maneiras (im)previstas...
Manifestações públicas surgidas numa
demanda contra o aumento de transporte, cuja discussão já vinha sendo realizada
há algum tempo pelo MPL (Movimento do Passe Livre), elas produziram dois
efeitos simultâneos e já pensando nas Olímpiadas de 2016: 1) acenderam a chama
do desejo que incendeia o político e move multidões. 2) levantaram indagações
acerca de uma pauta de mudanças substantivas que a sociedade deseja
implementar.
Logo teremos mais um teste: a visita do
Papa Francisco, que certamente mexe, e muito, com as igrejas evangélicas. Oxalá,
tenhamos uma experiência que nada recorde as terríveis batalhas campais até
outro dia acontecidas na Irlanda, para ficarmos num único exemplo. Que a oportunidade
seja a da demonstração ecumênica já antevista pelo Papa João XXIII e pelo
Concílio Vaticano II.
Todavia, entre as primeiras
manifestações de rua e no aguardo da visita do Papa Francisco ocorreram
distintas marchas com ações ostensivas de fechamento de estradas importantes,
escoadouros da produção agrícola, com planejamento que escapa a um ato
espontâneo e súbito, promovido através das chamadas “redes sociais”. Para
muitos observadores tratou-se mesmo de um lock-out
realizado por organizações patronais e pelo agronegócio.
Houve sim manifestações onde estiveram
quilombolas, indígenas, alguns sem teto. Entretanto, a maioria dos primeiros
manifestantes foi formada por “muito jovens”, classe média, sufocados pelas
dificuldades de transporte e pela vida imperante nas grandes cidades. Poucos
afrodescendentes nestas manifestações, poucos da periferia, das favelas. Isso
era observável a olho nu. Daí, aqui e ali, perguntarmo-nos: onde se dá a
sedução do político em relação a esses jovens passeantes nas ruas? Resposta:
simplesmente, não se dá; não há indução à participação política proporcional à vida
que pulsa acanhada, no Brasil.
Ressentidos, inconformados de ocasião,
adversários da abertura política que não toleram as efetivas mudanças no
aparelho policial e não aceitam as verdades da “Comissão da Verdade”; espreitam
ansiosos, por uma oportunidade que os façam protagonistas.
Certamente, a visita do Papa Francisco
não dará ânimo a esses oposicionistas ao Estado democrático de direito, pois na
cidade do Rio de Janeiro, a expectativa é que dois milhões de também jovens
(afinal são as “Jornadas da Juventude”) se reconciliem num encontro fraterno
que saúda o anúncio dos mais recentes santos da Igreja a serem canonizados: os
Papas João XXIII e João Paulo II, um que aponta para o “múltiplo” e outro para
o “um” das tantas perguntas dos católicos de todo o mundo.
Não deixa de ser sintomático que nesse
momento histórico divulgue-se um programa de espionagem dos EUA, de caráter
global e alcance planetário, mas que impacta diretamente o esforço que os
países da América Latina realizam de construir uma rede de solidariedade que
recupera o sonho de tantos libertadores de ontem e de hoje. Nesse sentido a
reunião do Mercosul que está por ser realizada proximamente é de suma importância.
Na altura, a presidente Dilma Rousseff reagiu com
uma proposta de cinco pactos com os Estados federados, os municípios, e a
sociedade civil, capaz de, propondo um plebiscito, visar à reforma
político-eleitoral. A consulta à população sobre temas chaves que a hora impõe,
resignifica o “ouvir as ruas” e deve ser alvo de legislação pertinente a ser
votada pelo Poder Legislativo. Ainda que não se realizem a tempo das mudanças
ocorrerem já para as eleições de 2014 é uma proposta de diálogo com os
políticos, cujo virar as costas poderia ser muito temerário e custoso
politicamente.
No dia 11 de julho de 2013 está previsto o Dia
Nacional de Lutas e certamente as manifestações farão emergir tantos os diversos
movimentos sindicais, o MST e outras organizações da sociedade civil, que não
representam apenas setores de classe média ou “descontentes”.
Vejamos se eles terão força política para sugerir
pontos relevantes para alavancar uma pauta capaz de fazer avançar as
reivindicações da hora.
Definitivamente, estamos na preliminar e o jogo
está por ser jogado.
* Gisálio
Cerqueira Filho é Professor Titular - Universidade Federal Fluminense (UFF) e
pesquisador sênior do Laboratório Cidade e Poder.
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