FUMAÇA E
VINAGRE
Gisálio Cerqueira Filho[1]
Tomo a
liberdade de refletir brevemente sobre os últimos acontecimentos; no Brasil, em
geral, e no Rio de Janeiro, em particular.
Antes de
tudo, ironia da história: o fato de tais manifestações terem “escolhido” o
período da Copa das Confederações (FIFA) para se realizarem, aproveitando
assim o apelo internacional do...futebol globalizado e a visibilidade que
ele confere ao Brasil. O historiador Eric Hobsbawm compara esse
espetáculo do futebol e dos estádios que se constroem (tipo padrão FIFA), no
século XXI, com a ópera na virada do século XIX/XX. Exagero?
A
integração que o Brasil apresenta, embora ambivalente e contraditória,
teve a liderança forte da Rede GLOBO, e foi construída, pelo menos em
parte, pela ditadura e em torno do...futebol.
(Campeonato Brasileiro ou Brasileirão, um dos mais acompanhados e observados,
para fins de contratação de jogadores, no planeta). Curiosamente é a integração
que serve agora à mobilização e à manipulação políticas.
Essas
manifestações surfaram num aumento de transporte, cuja discussão já vinha sendo
realizada há algum tempo pelo MPL (Movimento do Passe Livre). E, diga-se de
passagem, aumento malvisto por quem usa e quem não usa o transporte público,
diante das obras e fechamentos de ruas em função da Copa do Mundo, visita do
Papa, Olimpíadas, etc.. Os transportes pioraram muito nos vários centros
urbanos do “Brasil integrado”. Os engarrafamentos aumentaram também em função
do maior número de automóveis em circulação, dificuldades de estacionamento e do
maior acesso das famílias aos automóveis. Inclusive em cidades de médio porte.
Assim, em
cada centro dinâmico urbano do Brasil, e mirando nos jogos da Copa das
Confederações previsto para aquela determinada cidade, cada manifestação se
transformou numa “Senhorita” cortejada por todos. A televisão fez o resto. O
horizonte visível é o fim da Copa das Confederações e logo adiante a visita do
Papa Francisco, que certamente mexe, e muito, com as igrejas evangélicas. Mas
sobre isso só se fala entredentes e baixinho. O horizonte não discernido ainda,
mas que açula o imaginário é constituído pelas próximas eleições de 2014.
Dois parênteses:
1) você, caro leitor, sabia que, por ocasião da visita do Papa, está previsto um
mutirão de confissões para a Quinta da Boa Vista? Em dois dias os padres
esperam confessar 50 mil católicos em movimento de massa compacta e em
confessionários modernos, estilizados, tendo como símbolo o Cristo-Redentor. Se
tudo correr bem, o Papa em pessoa poderá ser um dos confessores por breves
minutos... Mas não é só. 2) Em alguns lugares o Papa visitará fortes
adensamentos populacionais de pobres, muitos deles com forte presença dos
evangélicos, que não estão gostando nada do que consideram uma “provocação”.
Detectamos que igrejas de comunidades evangélicas tem proibido aos seus crentes
seguidores de assistirem a TV GLOBO. Que eles simplesmente deliguem a TV
ou mudem de canal. Sintonizem na TV RECORD, de um pastor protestante, por
exemplo. Assim, não é de espantar que um dos grupos que cortejam a “Senhorita Manifestação”
sejam os garotinhos audazes que atuam entre a turma dos “deixa disso” ou
dos “bombeiros de ocasião” que acabam pilhados botando fogo...
Que a
“Senhorita Manifestação” não apareça pelo campo, pelo sertão, vá lá. Trata-se,
afinal, de um “estreia” citadina para muitos jovens. Mas que ela ocorra justamente
com ações ostensivas planejadas e realizadas pelo agronegócio que consistem no
fechamento de rodovias importantes do país e utilizadas para o escoamento da
produção, dá o que pensar.
Quilombolas,
sem-terra, indígenas, sem teto e outros que tais sentem-se tentados a se manifestar
politicamente e renovam-se as posições que opõem entre si velhos amigos, novos
inimigos, amigos novos, antigos inimigos.
Não esquecer
ainda os ressentidos com a abertura política que não toleram as efetivas
mudanças no aparelho policial e não aceitam as verdades da “Comissão da
Verdade”. Estamos pagando o preço por não termos realizado efetivamente a
transição da “polícia política” para a “polícia do cidadão”. Muita fumaça e
pouco vinagre. Malgrado os esforços realizados; corações e mentes dos policiais
ainda seguem a cartilha da ideologia da segurança nacional. Muitos “tiras”
comentam o famoso “TIP” (tecnologia, informação e porrada), expressão que, em inglês, pode significar suborno...
Na altura,
os ministros togados dos tribunais do país se interrogam se não seria melhor
deixar cada “macaco no seu galho”, ao invés de chamar para si a tarefa de
judicializar cada um e todos os conflitos em tela.
E todos e
todas se voltam para o horizonte invisível das próximas eleições. Mas
evidentemente os Senhores da oposição sentem-se impulsionados por vago desejo
libidinal ao verem a “Senhorita” em despudorada manifestação e assanhada ainda
por cima, a dizer com mímica ilusionista: “não vem que não tem”. Mas todos e
todas sabem: se não tem, pode ter, quem sabe? E aí surgem os intrépidos
jovens, e aqueles não tão jovens assim, governistas ou da base, como se diz por
aqui, que querem levar a “Senhorita Manifestação” na marra e logo para a
primeira alcova. É um disse-me-disse complexo. PSOL, PSTU, PT (enrustido),
querendo gritar alto e bom som que viu a “Senhorita Manifestação” por primeiro,
advogando para si os seus lânguidos olhares. E certamente há aqueles que
discutem ao infinito o quanto seria melhor nas próximas eleições a manutenção
de Dilma Rousseff
(“mãe durona”?) ou o retorno de Lula (“Pai macio”?). A Banca seguramente
se diverte com a “Senhorita Manifestação”, mas não tanto quanto gostaria,
quando, às vezes, são as suas agências e casas bancárias que são invadidas,
quebradas, numa manobra adjetivada de radical e minoritária, mas que
sempre acontece. O Capital Internacional ri à distância, e sorri aqui ao lado,
quando observa as peripécias por que pode passar o PRÉ-SAL, ou desfere
as firmes estocadas no megaempresário Eike Batista, ou acompanha os pulinhos que apontam para
uma desvalorização constante do real e queda nas apostas financeiras da Bolsa
de Valores. A pequena burguesia assiste a tudo levemente enfarada e discute se
não haveria melhor ocasião para o acontecido. O movimento sindical, no contexto
das grandes transformações do setor produtivo, assiste a movimentação entre
inquieto e interrogante.
Há um clima
de suspense. O Conselheiro Acácio, personagem de Machado de Assis, talvez se
perguntasse dubitativo:
“Até
quando”?
[1] Professor Titular - Universidade Federal Fluminense. Pesquisador
sênior do Laboratório Cidade e Poder.
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