quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013



UM OLHO NO PADRE E OUTRO NA MISSA

Gisálio Cerqueira Filho

O sentido do dito popular que dá título ao artigo é: olhos bem abertos (ou bem fechados?) para enxergar simultaneamente duas situações distintas que possam se apresentar. Recorda outro bordão, despido de influência religiosa, que “reza”: um olho no peixe e outro no gato.
Ambos ilustram o que está a suceder diante desse período de Sé Vacante no Vaticano e o conclave que vai eleger um novo Papa, em face da renúncia surpresa do já agora Papa Emérito Bento XVI.
Não desejamos reduzir nada quanto à grandeza do gesto de renúncia e simultaneamente, no mesmo momento em que ele se realiza, também quanto ao traço de esperteza na estratégia política maquiaveliana. Talvez na aparência maquiaveliana, pois o ato politico em si de renúncia ao poder é antes algo imposto por um sentido de missão do que propriamente por uma visão da política como arte. Bento XVI definiu-o com o ato de sacrifício, porém necessário, dada as condições de saúde, mas não só. Os sinais dos tempos não são apenas agravantes, mas imperiosos na demanda de uma nova liderança católica romana. Um ato de renúncia é sempre unilateral, mas ele pode ocorrer na moldura de uma “escolha forçada”. Fixo-me assim nos sinais dos tempos.
Por ocasião na Encíclica Pacem in Terris, no auge da guerra fria, João XIII ousou declarar que eram três os sinais daqueles tempos: 1- os movimentos de descolonização que ocorriam pelo mundo todo numa sequência de lutas de libertação nacional. 2- a ascensão dos trabalhadores que se elevavam à categoria de protagonistas na cena política internacional e não queriam ser tratados como meros “objetos”. 3- a participação crescente das mulheres que não aceitavam mais as condições de inferioridade e discriminação social que lhes eram impostas.
Como poderíamos hoje traduzir esses sinais dos tempos, já vencida a primeira década do século XXI? São vários os acontecimentos que servem de pano de fundo para os nossos também três sinais dos tempos atuais, a saber: pano de fundo - a) fim da guerra fria, b) queda do “muro de Berlim”, c) fim da União Soviética, d) mudanças no Leste Europeu, e) unilateralismo norte-americano no quadro de acentuada crise econômica mundial, g) forte presença dos Papados de João Paulo II e Bento XVI nos rumos dos acontecimentos políticos na ótica de uma formidável guinada conservadora de acento religioso. Sinais dos tempos atuais: 1- o fim do projeto de unificação de unificação europeia que remonta ao Plano Marshall para incluir uma Alemanha a ser desmilitarizada, que contivesse o antigo aliado da II guerra, a URSS, e projetasse uma Europa sob a hegemonia francesa e norte-americana. Ninguém, nem os serviços de inteligência mais alertas, imaginaram a rapidez com que se deu a reunificação da Alemanha e o desaparecimento da União Soviética subvertendo o quadro internacional anterior. Para tal subversão muito concorreram as ações de Carol Woitila e Joseph Ratzinger, respectivamente feitos Papas João Paulo II e Bento XVI. A partir daí, a nova União Europeia, da qual a unidade monetária Euro é o emblema mais visível, acentuou uma opção crescente por políticas conservadoras e ortodoxas por parte da Alemanha. Espelho, espelho meu, há alguém mais prussiana do que eu? Essa é a pergunta que provavelmente Angela Merkel faz a si mesma diante do espelho todas as manhãs e noites ao comparar as suas estratégias com aquelas do antigo Estado prussiano.[1] De todo modo, e já passamos ao segundo sinal dos tempos de hoje, não foi em vão que o nascimento da “nova” Rússia a partir das cinzas da URSS foi festejado num evento religioso realizado na Catedral de São Basílio, na Praça Vermelha, no dia 31 de dezembro de 1991. A partir de então temos o segundo sinal: 2- a União Europeia re-significada deveria surgir com a trade mark  “cristã” numa alusão ao diálogo dos católicos romanos com cristãos ortodoxos, anglicanos, protestantes evangélicos de diversas orientações; nesse aggiornamento incluído a comunidade judaica, pois seria um acinte que, depois do Shoa, um Papa, e sobretudo de origem alemã, acalentasse qualquer retrocesso em relação ao judaísmo, anti-semitismo ultrapassado no Concilio Vaticano II. Algo mais próximo de um pensamento neo-conervador de matiz ideológico beirando o absolutismo fundamentalista de Carl Schmitt. Para a Europa de agora um novo “inimigo político” viria ser construído. A palavra de ordem da Democracia Cristã alemã nas eleições para o Parlamento Europeu foi Por Deus e contra a Turquia... Tudo isso somado é de um silencio ensurdecedor...
Mas não nos esqueçamos do terceiro sinal dos tempos de hoje. 3- Precisamente a Alemanha e o Brasil veem a diminuição pronunciada de fiéis católicos. Na Alemanha várias centenas de milhares de católicos cedem lugar e espaço ao euroceticismo e ao cinismo religioso quando se deparam com as discrepâncias, ambivalências e decepções entre as várias lideranças católicas e, sobretudo, as dificuldades em conseguir uma “unidade na ação”. Já no Brasil várias centenas de milhares de católicos cedem lugar e espaço às igrejas, especialmente evangélicas renovadas e, justamente, no segmento das classes populares. Não nos iludamos, a Jornada Mundial da Juventude a se realizar proximamente no Rio de Janeiro é uma formidável investimento afetuoso nos segmentos mais jovens, porém distanciado daqueles que há quarenta anos foram alvo de uma Teologia que falava em “opção preferencial pelos pobres”. Jovens e pobres, negros e pobres, mulheres e pobres, favelados e pobres são órfãos de uma liderança religiosa comprometida com a vivência diária desses que estão hoje cada vez mais apartados da Igreja Católica. Houve um combate sistemático contra uma renovação religiosa que fosse inspirada nas reflexões de um Gustavo Guttierrez (Peru), um Hans Kung (Alemanha), um Luis Segundo (Uruguai), um Pedro Arrupe (Geral dos Jesuítas), um Ernesto Cardenal (Nicarágua), Pedro Casáldaliga (Barcelona, Espanha) Leonardo Boff, Helder Câmara, Frei Beto, esses últimos do Brasil, para citarmos alguns poucos exemplos.
Slavoj Zizek tem uma interessante reflexão (The Fragil Absolute, London - N.Y: Verso, 2000). Nesta obra ele tenta responder à indagação: Por que o legado cristão merece que se lute por ele? A perspectiva é inovadora, pois aponta para uma reflexão na linha de Alain Badiou, com seus estudos sobre os primeiros cristãos e a teologia paulina (Paulo de Tarso). Vale aqui a citação da contra-capa como referência à obra: 

“’From now on though we once knew Christ from a human point of view, we know him  no longer in that way; everything old has passed away: see: everything has become new!’
Saint Paul’s militant declaration from Corinthians asserts for the first time in human history the revolutionary logic of a radical break with the past – with it, the age of Cosmic balance and similar pagan babble is over. What  does it means to return to this stance today?”

Tudo resumido é necessário então um Papa capaz de literalmente reformar a Cúria Romana (descentralizar a Igreja?), dar atenção ao Banco do Vaticano e responder de forma adequada ao capitalismo financeiro e rentista vigente; dar soluções convincentes às crises institucionais e problemas já referidos por Bento XVI e que, em parte, o levaram à renúncia. Enfim, ocupar o lugar de poder e direção (compartilhada) que corresponda à responsabilidade parental de um Papa que não se volte contra o mundo moderno e seus desafios. Um Papa capaz de dialogar com o clero alemão dividido, e deste ponto falar à Europa. Falar cada vez mais aos pobres das Américas, África, Ásia, Oceania. E quando tudo isso estiver estabelecido, conseguir obter o apoio dos cardeais presentes ao conclave, quase metade constituída de italianos. Apostar na diversidade.
Oxalá os deuses estejam presentes!...



[1] Gisálio Cerqueira Filho. Absolutismo Afetivo : a Prússia como Sentimento, São Paulo: Editora Escuta. 2005.

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